28.6.17

Sobre Lincoln no Bardo, de George Saunders




«A ideia de Abraham Lincoln abraçar Willie, o filho morto, lembrou-lhe a Pietà. Um filho morre e o pai, ou mãe, agarram-se ao seu corpo como que a resgatar qualquer indício de vida e assim negar a sua morte. O escritor George Saunders ouviu a mulher contar-lhe que quando Willie Lincoln morreu, aos 11 anos, vítima do que se especula ser febre tifóide, o então presidente dos Estados Unidos visitava à noite a sepultura do filho no cemitério de Georgetown, debruçando-se sobre ela num trágico lamento. Willie era para Abraham como Jesus nos braços da Virgem na escultura de Michelangelo que está na Basílica de S. Pedro, em Roma.
Durante vinte anos essa imagem perseguiu Saunders de forma quase obsessiva, mas ele achava-se incapaz de a transformar em literatura. Até 2012. Nessa altura decidiu tentar e partiu dela para chegar ao subterrâneo como fez em cada um dos contos que publicara e o confirmaram como um dos mais notáveis autores em língua inglesa. Tinha 55 anos e não queria que a sua lápide o identificasse como o tipo "com medo de embarcar no projeto artístico assustador, que desesperadamente desejava tentar", como afirmou num texto sobre a génese de Lincoln no Bardo, o seu primeiro romance publicado em Março nos Estados Unidos e que acaba de ter edição portuguesa pela Relógio d’Água.
Era um livro muito aguardado por quem conhece e gosta da escrita de Saunders e também pelos que suspeitam do talento de quem cultiva apenas o conto como género. Para esses, o romance seria a legitimação do autor. Mas ele não se sentou a escrever o romance, ou melhor, não tomou a iniciativa de escrever uma história que trazia na cabeça e a dar-lhe maior fôlego.» [Isabel Lucas, Público, ípsilon, 23/6/17]

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