29.6.15

Sobre João Miguel Fernandes Jorge




O número de Verão da Ler publica duas entrevistas, uma com Eduardo Lourenço, outra com João Miguel Fernandes Jorge, feita por Hugo Pinto Santos. Reproduzem-se em seguida alguns fragmentos dessa entrevista:

«A poesia, a sua forma de idealização, ou seja, o seu carácter sedutor, surgiu muito cedo com a leitura de Nobre. Mas isso é apenas um gesto, um nada adolescente. Foi preciso trabalhar, e muito, a confusão empírica do mundo e dos sentidos e também dos sentimentos. Então, a exigência de um rigor, que é sempre por fim a poesia, tomou o seu espaço e realizou o seu tempo no meu próprio tempo presente. É, todavia, um reconhecimento obscuro; e por isso mesmo profundamente livre; em qualquer instante pode suicidar-se — até mesmo em beleza — dentro de mim, sem sequer se despedir.»

«Tive sempre um certo problema em relação ao casal Vieira da Silva/Arpad Szenes. Que foi o gostar muito da obra de Szenes e não muito da de Vieira. Até que vi esses estudos anatómicos, que fez quase adolescente, assistindo a aulas de anatomia, um pouco antes de deixar Portugal. Eu tinha uns anos antes estado no Instituto de Medicina Legal do Porto, onde vi, na mesa anatómica, um homem e uma mulher jovens, lado a lado. Disseram-me que se tratara de um suicídio de amor. Sempre quis escrever sobre ambos. Talvez fossem esses amantes, na mesa mortuária lado a lado, o que me moveu para aqueles poemas [Jardim das Amoreiras], e também a persistência daquela rapariguinha a desenhar, entre estudantes de medicina, na aula no Campo de Sant’Ana.»


«Os meus poemas também referem muitos poetas. Mas às vezes uma obra de que muito gostamos — gostamos dela porquê? — porque a recebemos como um campo de ruínas. Nela pesquisamos à maneira de um arqueólogo. Vai nisso muito do nosso amor a uma obra e a um autor. É a minha forma de homenagem, de reconhecimento.»

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