«De
facto, [Água Viva] não se parece com
nada que tivesse sido escrito na época, no Brasil ou em qualquer outro lugar.
Os seus parentes mais próximos são visuais ou musicais, uma semelhança que
Clarice enfatiza ao transformar a narradora, uma escritora, nas versões
iniciais, numa pintora; na altura, ela mesma dava os primeiros passos na
pintura.
(…)
Clarice compara o livro a aromas (“O que
estou fazendo ao te escrever? estou tentando fotografar o perfume”), a
sabores, (“Como reproduzir em palavras o
gosto? O gosto é uno e as palavras são muitas”) e ao tacto, embora a sua
metáfora mais insistente seja em relação ao som: “Sei o que estou fazendo aqui: estou improvisando. Mas que mal tem isso?
Improviso como no jazz improvisam música, jazz em fúria, improviso diante da
platéia.” Isto é música abstracta, “uma
melodia sem palavras”.
Livre
dos constrangimentos de um enredo ou de ter de contar uma história, Água Viva é, todo ele, a crista da
onda.»
Benjamin Moser, Clarice Lispector — Uma Vida
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