9.6.09

A Avaliação dos Escritores e o Método das Estrelas


Perdidos no labirinto de uma avaliação burocrática os professores protestam nas ruas. A sua contestação é pública, colectiva e visível.
Tudo é diferente com os escritores. Desde logo, e à excepção de alguns jantares do Pen Clube, das Correntes d’Escritas, do acolhedor de Paraty e das sessões de autógrafos da Leya, é gente pouco dada a aglomerações. E, no entanto, também eles passaram da avaliação qualitativa para outra em que é visível uma expressão quantitativa. Os seus livros vão agora de uma bola negra à cintilação das cinco estrelas. A classificação que se justifica nos hotéis, onde é uma questão de tamanho de quartos e serviços de bar, e talvez faça sentido nas estrelas do Guia Michelin é de todo inadequado para literatura e ensaio.
Na apreciação dos filmes, o star system ainda tem algum sentido até porque são vários os críticos a pronunciar-se, o que permite pelo menos conhecer o seu gosto depois de vermos os filmes. Mas é difícil encontrar vários críticos disponíveis para lerem, em tempo útil, o mesmo livro, sobretudo os com mais de duzentas páginas de letra poupada.
E o resultado é o que se sabe. Acompanha-se a tradicional apreciação qualitativa, intuitiva e eventualmente apaixonada de uma obra com uma grosseira avaliação numérica.
Há sempre leitores interessados nas críticas antecedidas por quatro ou cinco estrelas e, por sadismo, nas que caem num «buraco negro». Mas quem estará disposto a ler a crítica antecedida com uma, duas, ou mesmo três estrelas, feita a um autor que se desconhece?
E se são atribuídas cinco estrelas a obras como o London Fields de Martin Amis, como será possível classificar, na mesma escala, a Odisseia, o Rei Lear, o D. Quixote, As Folhas de Erva, A Morte de Virgílio, Em Busca do Tempo Perdido ou o Ulisses?
Ou falando de ciência , se A Evolução para Todos de David Sloan tem cinco estrelas, quantas seriam necessárias para classificar A Origem das Espécies ou A Origem do Homem e a Selecção Sexual? Será que daqui a alguns séculos ainda se ouvirá falar de London Fields e de David Sloan? Não estaremos perante constelações diferentes?
E terá algum sentido lógico que, por exemplo, Rogério Casanova atribua duas estrelas aos Contos Completos I de John Cheever e Eduardo Pitta lhes conceda cinco? Será Cheever duas vezes e meia melhor que Cheever, ou seja, será Cheever muito superior a si próprio?
Uma das poucas «vantagens» do método das estrelas é evidenciar «absurdos» como os de um livro, com apenas duas estrelas, de Tom Wolfe, Eu Sou a Charlotte Simmons, ter um destaque gráfico que está de todo ausente em Diários de Viagem de Eduardo Salavisa, que fez o pleno no mesmíssimo número do Expresso.
Claro que lendo os textos dos críticos talvez alguns destes absurdos, facilmente multiplicáveis, deixem de o ser. Mas isso não anula a confusão gerada pelo método quantitativo.
Este processo é ainda pior por se voltar contra os críticos que o consentem. É que o seu trabalho é, no melhor dos casos, uma disciplina da literatura, o ensaio literário e, como tal, passível de abertura à interpretação dos leitores. Ao pactuar com a avaliação quantitativa, os críticos estão a tornar menos interessante a sua actividade fechando a porta da subjectividade na cara dos leitores.

Francisco Vale

2 comentários:

  1. Vivemos na era da super-avaliação, como diz José Gil. O Homem do século XXI crê, erradamente, que tudo pode ser quantificado. E esta crença pode levar a uma maior uniformização, matando a criatividade e a inovação, tão necessários nos dias de hoje em todos os ramos de actividade.

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  2. O importante da crítica é fundamentar e justificar.
    Se a âncora para avaliação de um novo livro for sempre a Odisseia ou as peças de Shakespeare, então poucos serão os livros que podemos classificar com mais de 3 estrelas (incluindo os livros desta editora).
    Se o texto crítico for bem feito, pode na mesma página atribuir 5 estrelas à Cartuxa de Parma e a Martin Amis: basta explicar o porquê daquela classificação.
    E sejamos honestos: grande parte dos críticos em Portugal automaticamente atribui a pontuação máxima a um nome sonante.

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