Helena Vasconcelos e a «Grande Literatura»
No Ípsilon de 30 de Abril, Helena Vasconcelos escreve sobre o Regresso do Soldado de Rebecca West, afirmando tratar-se de uma obra inscrita «no âmbito da literatura de guerra», sendo pioneira na abordagem «dos efeitos do “stress pós traumático”». Conclui, no entanto, que «não pode ser considerada “grande literatura”».
Helena Vasconcelos comete um duplo erro.
Dizer que O Regresso do Soldado é pioneira na abordagem do «stress pós traumático» é passar ao lado, é como dizer que O Coração Solitário Caçador de Carson McCullers inicia a «literatura dos deficientes», só porque os personagens, Singer e Antonópoulo, são dois jovens mudos.
A tensão dramática em O Regresso do Soldado tem a ver com a destruição das paixões adolescentes pelo tédio calculada da vida adulta. O trauma sofrido por Christopher nas trincheiras confere à narrativa uma dimensão de actualidade, mas é algo de instrumental – por exemplo em The Revolutionary Road de Richard Yates, a circunstância dessa ruptura dramática é a desistência de Frank Wheeler em partir para Paris com a mulher devido a uma promoção no emprego.
Por outro lado, a recusa de Helena Vasconcelos em considerar O Regresso do Soldado «grande literatura» não pretende ser uma abordagem teórica, no sentido em que se discutiu numa dada época se os ready-mades de Duchamp eram ou não obras de arte. Helena Vasconcelos dá razão aos críticos que acham que Rebecca West «escrevia demais, descurando, por vezes, a qualidade». É pena que Helena Vasconcelos, que enumera os amigos e amantes intelectuais de Rebecca West, não indique de que críticos se trata, nem aborde outras importantes obras de West, como The Birds Fall Down, Harriet Hume ou The Thinking Reed, dando exemplos de tal incúria.
Considero O Regresso do Soldado uma dessas raras novelas quase perfeitas e, sem querer usar o argumento de autoridade, devo dizer que sou acompanhado pelos críticos do El País que, no balanço do ano literário de 2008, a colocaram em primeiro lugar entre as dez melhores obras de ficção, injustamente esquecidas, publicadas em Espanha.
É uma novela breve que se caracteriza pelo despojamento da linguagem, a tensão narrativa e a subtileza das situações, personagens e desenlace. Desafiamos qualquer leitor a apontar uma frase em excesso.
O Regresso do Soldado tem uma perfeição comparável a Os Adeuses de Onetti, ao Falcão Peregrino de Glenway Wescott, à Balada do Café Triste de Carson McCullers, ao Golpe de Misericórdia de Marguerite Yourcenar, a Pedro Páramo de Juan Rulfo, a Um Copo de Cólerade Raduar Nassar, a Djamila de Aikmatov e a O Primeiro Amor de Turguéniev (entre nós podemos referir apenas, e a alguma distância, O Barão de Branquinho da Fonseca ou A Paixãode Almeida Faria).
Só não é caso para desejarmos que se aplique a Helena Vasconcelos a conhecida frase de Oscar Wilde («quando li o crítico odiei o livro, quando li o livro odiei o crítico»), porque se trata de alguém que, noutras ocasiões, tem divulgado a melhor literatura.
* A «crítica dos críticos» é algo que escasseia em Portugal, embora, claro, para um editor só tenha sentido quando se trata de autores que já não se podem defender.
Francisco Vale
Helena Vasconcelos comete um duplo erro.
Dizer que O Regresso do Soldado é pioneira na abordagem do «stress pós traumático» é passar ao lado, é como dizer que O Coração Solitário Caçador de Carson McCullers inicia a «literatura dos deficientes», só porque os personagens, Singer e Antonópoulo, são dois jovens mudos.
A tensão dramática em O Regresso do Soldado tem a ver com a destruição das paixões adolescentes pelo tédio calculada da vida adulta. O trauma sofrido por Christopher nas trincheiras confere à narrativa uma dimensão de actualidade, mas é algo de instrumental – por exemplo em The Revolutionary Road de Richard Yates, a circunstância dessa ruptura dramática é a desistência de Frank Wheeler em partir para Paris com a mulher devido a uma promoção no emprego.
Por outro lado, a recusa de Helena Vasconcelos em considerar O Regresso do Soldado «grande literatura» não pretende ser uma abordagem teórica, no sentido em que se discutiu numa dada época se os ready-mades de Duchamp eram ou não obras de arte. Helena Vasconcelos dá razão aos críticos que acham que Rebecca West «escrevia demais, descurando, por vezes, a qualidade». É pena que Helena Vasconcelos, que enumera os amigos e amantes intelectuais de Rebecca West, não indique de que críticos se trata, nem aborde outras importantes obras de West, como The Birds Fall Down, Harriet Hume ou The Thinking Reed, dando exemplos de tal incúria.
Considero O Regresso do Soldado uma dessas raras novelas quase perfeitas e, sem querer usar o argumento de autoridade, devo dizer que sou acompanhado pelos críticos do El País que, no balanço do ano literário de 2008, a colocaram em primeiro lugar entre as dez melhores obras de ficção, injustamente esquecidas, publicadas em Espanha.
É uma novela breve que se caracteriza pelo despojamento da linguagem, a tensão narrativa e a subtileza das situações, personagens e desenlace. Desafiamos qualquer leitor a apontar uma frase em excesso.
O Regresso do Soldado tem uma perfeição comparável a Os Adeuses de Onetti, ao Falcão Peregrino de Glenway Wescott, à Balada do Café Triste de Carson McCullers, ao Golpe de Misericórdia de Marguerite Yourcenar, a Pedro Páramo de Juan Rulfo, a Um Copo de Cólerade Raduar Nassar, a Djamila de Aikmatov e a O Primeiro Amor de Turguéniev (entre nós podemos referir apenas, e a alguma distância, O Barão de Branquinho da Fonseca ou A Paixãode Almeida Faria).
Só não é caso para desejarmos que se aplique a Helena Vasconcelos a conhecida frase de Oscar Wilde («quando li o crítico odiei o livro, quando li o livro odiei o crítico»), porque se trata de alguém que, noutras ocasiões, tem divulgado a melhor literatura.
* A «crítica dos críticos» é algo que escasseia em Portugal, embora, claro, para um editor só tenha sentido quando se trata de autores que já não se podem defender.
Francisco Vale
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