3.7.09

Como Editar Um Primeiro Livro

Se deseja ser escritor tem de aceitar o risco de nunca viver do que escreve – em Portugal, só meia dúzia de autores o conseguem.
Para quem quiser enriquecer o caminho é outro. Caso não tenha idade para uma academia de futebol, nem «estômago» para fazer carreira nas juventudes partidárias, pode sempre tentar descobrir um enredo esotérico que envolva a Ordem dos Templários ou uma rainha portuguesa infeliz e ardente. Neste caso, ninguém se lembrará de si dentro de dez anos, mas será considerado escritor por alguns amigos mais condescendentes e pelos habituais leitores do género.

A Formação
Na avaliação das suas possibilidades tem de ter em conta a formação. Mais de metade dos escritores que temos cursaram as diversas Filologias ou Direito.
Mas se for um auto-didacta, nem por isso deve desistir. Afinal José Saramago, Agustina Bessa-Luís e Alexandre O’Neill deram boa conta de si.
Outro aspecto a ter em conta é a relação que se tem com o mundo editorial.
Se conhece um editor pode sempre convidá-lo para almoçar e, na altura do café, depois de terem lembrado episódios dos agitados anos setenta, dizer qualquer coisa como: «Lembras-te daquele conto que publiquei na revista da Faculdade? Sabes, tenho andado a escrever umas coisas...»
Se não conhece ninguém, tente os prémios revelação ou o envio do original pelo correio.

Os Prémios Literários…
Há vários modos de obter um prémio literário.
O primeiro é tentar escrever um livro diferente ou melhor do que todos os que já leu, avaliando cada palavra e sentindo o ritmo das frases, tacteando os limites da imaginação. Alguns autores começaram com prémios revelação. Foi o caso de Almeida Faria, com Rumor Branco. Também Agustina editou na Guimarães Mundo Fechado depois de ter vencido um concurso literário. O mesmo sucedeu com Ana Teresa Pereira e Matar a Imagem.
Mas esse é um caminho incerto e, para usar a expressão de Philip Roth, são poucos os jovens escritores para quem «as dificuldades são uma espécie de divindade».
Aos impacientes sugerimos dois atalhos.
O primeiro é percorrer dia e noite a rua onde mora Gonçalo M. Tavares, esperando encontrar uma mochila perdida com algum original – afinal é o autor que mais prémios tem recebido. O outro é enviar para concurso um romance que imite descaradamente o estilo de Vasco Graça Moura, que está em pelo menos metade dos júris literários, esperando que ele convença os seus pares de que estão perante um enorme talento (neste caso, é inconveniente usar o novo Acordo Ortográfico).

… E o Modo de os Receber
No caso de o prémio lhe ser atribuído, pode limitar-se a agradecer o «estímulo» ou adoptar uma atitude à Thomas Bernhard, a do mendigo insolente, comprando um fato para a cerimónia e insultando o júri, a literatura oficial e o país.
Há ainda uma atitude intermédia, a de pedir ao editor que o represente. Caso deseje fazer carreira no Jornal de Letras, pode justificar a sua ausência com uma viagem aos palácios do Grande Canal em Veneza ou ao Campanile de Giotto em Florença. Se lhe interessa mais a Câmara Clara, justifique-se com uma ida a Nova Iorque para ver no MoMA uma retrospectiva de Rothko.

O Envio do Manuscrito por Correio
Ao enviar o manuscrito para o editor, deve ter em conta que manuscrito é um modo de dizer.
Nos tempos que correm, nenhum editor lhe perdoará – a não ser que o autor tenha mais de noventa anos – o envio de um texto manuscrito ou mesmo teclado à máquina. Tudo é mais fácil, sobretudo se o original vier a ser publicado, com um texto em suporte digital acompanhado pela respectiva impressão (o original deve ser endereçado ao próprio editor).
Além disso, é preciso saber escolher a editora. Se é influenciado por Bukowski e Henry Miller não vale a pena pensar na Gaialivro, que publica histórias onde até os vampiros são castos. Se colecciona autógrafos de Margarida Rebelo Pinto, tente logo a Oficina do Livro.

A Edição de Autor
Tradicionalmente, o autor cujo original era várias vezes recusado imprimia a obra à sua custa (ou aceitava participar nas despesas da editora o que ocultava muitas vezes um negócio obsceno).
O caso mais famoso de autoedição é o de Miguel Torga.
Hoje, com o desenvolvimento conjunto da Internet e da impressão digital, a edição de autor aproxima-se já, em número de títulos, da edição normal em países como os EUA.
Algumas companhias como a Creative Space da Amazon produzem obras cobrando os custos de impressão e partilhando os lucros. Em 2008, a Author Solutions publicou 13 mil títulos, atingindo os 2,5 milhões de exemplares, em parte distribuídos através da Amazon ou acessíveis no site da maior cadeia de livrarias norte-americana, a Barnes & Noble.
Na Europa, onde as tradições culturais são diferentes, o movimento é incipiente, no que se refere à ficção narrativa e poesia. No entanto, algumas livrarias britânicas dispõem já de serviços de impressão a pedido, que podem servir a autoedição.
Dados os riscos financeiros e tempo que exige, a autoedição só deve ser encarada pelos autores recusados pelas editoras «tradicionais» que tenham uma nítida convicção do seu talento.

O Título
O título deve merecer um cuidado particular. Bruscamente no Verão Passado, O Jardim dos Caminhos Que Se Bifurcam, À Sombra das Raparigas em Flor ou A Senhora Smilla e a Sua Especial Percepção da Neve são títulos que fizeram muito pelas respectivas obras.
O início do livro pode ser decisivo. Nas editoras de menor dimensão a leitura é feita pelos próprios directores que vão decidir se continuam depois de ler dez páginas.
De qualquer modo, têm de ser originais, pelo que não é boa ideia começar com: «Durante muito tempo fui para a cama cedo. Por vezes, mal apagava a vela, os olhos fechavam-se-me tão depressa que não tinha tempo de pensar: “Vou adormecer.”»
Na poesia evite confundir versos com bons sentimentos e não acredite que somos um país de poetas. E não lhe fará mal seguir o conselho de Virginia Woolf em Carta a Um Jovem Poeta: «Nunca publique nada antes dos 30 anos.»

A Espera
Enviado o original, tem de saber esperar. Mostrar impaciência passada uma semana é mau sinal. E esperar mais de seis meses revela falta de convicção. O melhor é informar-se dos prazos junto do editor (são poucos os que em Portugal têm o apoio de Comissões de Leitura).
Mas o principal é saber que apenas um em mil originais será aceite. De qualquer modo, envie o seu para vários editores. As possibilidades aumentam e se um deles o aceitar poderá sempre ter o prazer de explicar aos outros que lamenta mas...
Em caso de recusa, pode pensar que o editor é um incompetente, o que pode muito bem ser o caso. Em Busca do Tempo Perdido, Debaixo do Vulcão, Uma Conspiração de Estúpidos e Levantado do Chão, integram a longa lista de originais recusados. Até os melhores se enganam. Basta lembrar que o Ulisses foi recusado pela Hogarth Press dirigida por Virginia Woolf e Leonard Woolf (se Joyce fosse editor era também provável que recusasse o delicado Orlando).
Em alternativa, leia A Tabacaria com «Desespoir agréable» de Satie como música de fundo, e convença-se que a posteridade saberá reconhecer os seus.

Original Aceite

Se o seu livro for aceite, é provável que o editor tenha algumas sugestões a fazer. Apesar de tudo, tente ser razoável. Se ele achar que poderia reduzir as 1000 páginas do original para, digamos, 930, não desate logo a falar em Guerra e Paz. E se o editor discordar que o nome dos personagens mudem de capítulo para capítulo, não invoque o santo nome de Agustina.

Argumentos Extra-Literários
Em relação a alguns editores pode avançar argumentos extra-literários. Se tencionar viver entre os papuas da Oceânia, mudar de sexo ou assassinar alguém ao virar da esquina, deve referi-lo, pois a cobertura mediática para o seu livro ficará assegurada. Para certos editores o argumento é decisivo.

O Contrato
Depois de o seu original ser aprovado e discutidas eventuais sugestões de alteração (como sabe mais usuais nos países anglo-saxónicos que nos latinos), não deve esquecer o contrato. Este pode ter trinta alíneas, mas só quatro são importantes. Deve recusar a exclusividade e exigir a aprovação da capa se não quiser apanhar um susto de letras douradas em relevo que o perseguirá o resto da vida. Ainda mais decisivo é o prazo de vigência e a percentagem de direitos a receber. A nossa lei de direito de autor estipula que na ausência de especificação a vigência de contrato é de 25 anos e os direitos autorais de 25 por cento.
Ou seja, nenhum editor se esquece de definir a percentagem de direitos, que normalmente vai de 10 a 12 por cento (nas edições de bolso esse valor pode ser de 5, para os «mais vendidos» alcançar os 15 por cento e para e-books e audiolivros ainda não há um valor habitual). Mas alguns editores «esquecem-se» do período de vigência do contrato (cinco anos é um prazo razoável).

O Lançamento
Os lançamentos podem ser uma ocasião para o autor reunir os amigos. Mas só no caso de ser também jornalista terá assegurada a presença dos media.
Não insista com o editor para que intervenha. Há editores tão reservados que prefeririam ser obrigados a ler um livro de Fátima Lopes a falar em público.

A Lealdade
No caso, provável, de o seu primeiro livro ter vendas discretas, evite andar pelas livrarias a colocá-lo em destaque nos expositores. Se passados seis meses deixar de o ver, não proteste junto do editor, pois são regras de mercado que ele tem dificuldade em contrariar.
Caso o seu livro seja um êxito de vendas, evite que isso lhe suba à cabeça. Não use o pretexto de uma gralha na página 176 ou a ausência de exemplares num quiosque de Bragança para negociar o seu próximo livro com um grande grupo editorial, que provavelmente nunca publicou nenhum novo autor.
Afinal há uma diferença entre um editor que se preparou para acolher a radical novidade que é a descoberta de um autor e aquele que alinha o seu catálogo pelos tops de vendas internacionais.

Francisco Vale

14 comentários:

  1. Muito bom, caro Francsico.
    Acidamente didático!

    Ricardo Costa

    ResponderEliminar
  2. Gostei muito do seu texto. Peço-lhe permissão para o colocar no blog da livraria.
    Cumprimentos,
    Bruno Malheiro

    ResponderEliminar
  3. Lindo. E com humor, que faz tanta falta nos dias de hoje! ;)

    ResponderEliminar
  4. Obrigado pelos conselhos. Assim que me atrever a tentar escrever alguma coisa, vou usar as suas avisadas palavras como guia!

    ResponderEliminar
  5. Sim, claro que pode colocar o texto no seu blog, com a habitual menção ao autor e origem.
    Francisco Vale

    ResponderEliminar
  6. Bom dia.
    Qual é o endereço do correio electrónico ou a morada da editora relógio d'ÁGUA? - Gostaria de enviar um exemplar de uma obra minha.

    ResponderEliminar
  7. O e-mail da editora é relogiodagua@relogiodagua.pt.

    ResponderEliminar
  8. Ora aqui está um artigo útil.Parabéns

    ResponderEliminar
  9. Gostei do que escreveu, achei piada. Embora no meu caso, que estava a pesquisar editoras para enviar o meu trabalho(que estou quase a acabar), me deixe ainda um pouco mais apreensiva relativamente a uma hipotética publicação. Eu conheço o meu país, sei as dificuldades que há não sendo actriz de novelas ou apresentadora de reality shows, em publicar qualquer trabalho por mais atributos literários que se tenha. Mas depois de ler o seu comentário fiquei ainda mais indecisa.É assim tão dificil? A vossa editora costuma editar novos autores? e costuma apostar em estilos diferentes?

    ResponderEliminar
  10. Muito divertido e bons conselhos. Só uma nota: a empresa da Amazon que edita livros de autor chama-se Create Space. um ab . luis curral

    ResponderEliminar
  11. O post é muito oportuno, e é uma boa orientação para quem tem um original pronto e não sabe por onde avançar.

    Mas hoje existem várias editoras com bastante abertura a novos autores e com um trabalho bastante profissional: Chiado Editora, Hugin Editores, Magna Editora...

    Não têm a dinâmica de uma Porto Editora, nem a elegância da Relógio de Água, mas são um começo para muitos autores.

    ResponderEliminar
  12. Cheio de humor e muito realista. Sábios conselhos de quem sabe.
    Com a minha admiração pelo trabalho da RÃ,
    Paula

    ResponderEliminar